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A banalização da estratégia na comunicação política: reflexões sobre um cenário em mutação

Por Hellen Quida, jornalista e consultora em marketing político digital

Em um ambiente cada vez mais dominado por algoritmos e narrativas instantâneas, a política tem cedido espaço ao espetáculo. Pautas sérias se transformam em entretenimento viral, impulsionadas por estratégias de marketing que priorizam alcance e engajamento, muitas vezes à custa da responsabilidade. Nesse processo, escândalos, crises institucionais e problemas sociais viram memes, são diluídos em ironias e esquecidos com a mesma velocidade com que viralizam — agora com o apoio acelerador da inteligência artificial.



A banalização da estratégia é um fenômeno que exige análise crítica. Em vez de organizar ações coerentes e eficazes, a ideia de estratégia tem sido reduzida a um álibi: justificar erros, suavizar a demagogia e, em casos mais graves, blindar a má-fé.


O caso da CPI das Bets é emblemático. Instaurada para investigar o impacto das apostas online nas famílias brasileiras, possíveis conexões com o crime organizado e o papel de influenciadores na promoção dessas plataformas, a comissão foi eclipsada pelo depoimento da influenciadora Virgínia Fonseca. O foco da cobertura midiática e das redes sociais desviou-se completamente da gravidade do tema para selfies com senadores e comentários sobre a aparência da convidada. Enquanto isso, dados alarmantes — como o envolvimento de beneficiários do Bolsa Família em apostas e a movimentação de cerca de R$ 20 bilhões por mês nesse setor — passaram praticamente despercebidos. A seriedade do tema foi engolida pelo circo midiático.


Outro exemplo é o caso do prefeito de Mossoró, Alysson Bezerra, que passou de “prefeito TikTok” a “prefeito Reborn”, um apelido que ironiza seu comportamento nos bastidores da política potiguar. A gestão pública — que deveria ser o centro da análise — foi substituída por discussões sobre vaidade pessoal e ambições eleitorais precipitadas. Mais uma vez, o carisma digital se sobrepôs à competência administrativa, e os memes acabaram moldando a reputação mais do que os dados.


As consequências são preocupantes. A desconfiança da população cresce na mesma proporção em que se generaliza a percepção de que tudo é estratégia. Genuinidade, empatia e compromissos públicos passam a ser vistos com ceticismo. Gestos autênticos perdem força, pois são facilmente confundidos com encenações políticas. Isso aprofunda o divórcio entre eleitor e representante, mina a legitimidade do discurso político e desvaloriza o que importa: a política substantiva — aquela baseada em planejamento, programas de governo e responsabilidade social.


Não se trata de rejeitar a estratégia — ela é essencial para qualquer atuação política séria. O problema está na distorção de seu significado. Estratégia, em sua essência, exige:

Diagnóstico da realidade: análise sincera dos problemas enfrentados pela população;

Objetivos claros: metas definidas e mensuráveis;

Ações coordenadas e planejadas: execução consistente e eficaz;

Coerência entre discurso e prática: credibilidade construída pela integridade;

Compromisso com o interesse público: propósito coletivo acima de ganhos pessoais.


Resgatar a legitimidade da estratégia política é, antes de tudo, um chamado à maturidade. O futuro da boa política não pode ser construído com filtros e viralizações, mas com autenticidade, transparência e responsabilidade. Em tempos de superficialidade digital, o aprofundamento do debate é um ato de resistência — e uma necessidade urgente.


Vídeo sobre o tema no canal Digital é Poder: https://youtu.be/VWuH54zrJIU?si=FSbIFb2XOB8BM8Mg


Hellen Quida

Jornalista e professora atuante na área de Comunicação Eleitoral e Marketing Político desde 2000. Hellen trabalhou como Coordenadora de programas de Rádio e TV para horário eleitoral, Assessoria de Imprensa e Coordenação de Gestão de Mídias Sociais em campanhas eleitorais e gestão de mandato.

Também atuou como redatora, repórter, direção de locutores e estrategista. Foi professora na Pós-Graduação da Faculdade Estácio de Sá. Criadora do canal Digital é Poder, especializado em Marketing Político Digital.


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