Samuel Hanan*
O Brasil é um país fantástico e com extraordinário
potencial. De dimensões continentais – com 8,516 milhões de km², é o quinto
maior do planeta em área territorial, habitado por 212,6 milhões de
pessoas - o 7º maior do mundo em população -; a 8ª maior economia
mundial, com Produto Interno Bruto (PIB) previsto para 2024 de R$ 2,24
trilhões; responsável por 30% da produção mundial de alimentos; 8° maior
produtor mundial de petróleo e um dos líderes do planeta em produção de minério
de ferro.
Apesar de tamanha riqueza, o país amarga índices sociais
vergonhosos, com processo distributivo de renda extremamente injusto. Além
disso, dentre os 30 países de maior expressão econômica no mundo, ocupa a
última posição na devolução dos tributos na forma de serviços essenciais à
população.
Essa situação pode ser creditada quase que totalmente às
ações dos maus governantes com mandatos a partir do ano 2000. Eles foram
legítima e democraticamente eleitos com a promessa comum de melhorar a vida da
população. Isso, entretanto, não se confirmou. É o que provam os números.
O Brasil, que em 2002 ocupava a nao honrosa 77ª posicão no
ranking do Índice de Desolvimento Humano (IDH) despencou e agora ostenta a 88ª
posição no mesmo ranking das Organizações das Nações Unidas (ONU). É o lanterna
nesse quesito entre os 30 países de maior expressão econômica no mundo, posição
que amarga também no Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade (IRBES). Há 20
anos está estagnado nessa situação.
Na educação, tem desempenho ainda mais decepcionante: no
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que avalia o
conhecimento de estudantes de 15 anos em matemática, leitura e ciências, o país
ocupa a 44ª posição entre 56 países analisados. Fica atrás dos 38 países
integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
e, na América do Sul, perde para Uruguai, Colômbia e Peru.
O maior desastre provocado nos últimos 25 anos pelos maus
governantes sem dúvida está na dicotomia entre entre a posição de 8ª maior
economia do mundo e a renda da população.
O PIB per capita, de apenas US$ 10.500/ano, coloca o
país na 76ª posição mundial. No coeficiente de Gini, indicador socioeconômico
criado para mensurar a distribuição de renda nos países, o Brasil é
simplesmente o 7º pior do mundo. A estratificação da população brasileira
em 2024, explica muito dessa situação.
A classe A é a elite econômica do país, com melhor qualidade
de vida, maior poder aǫuisitivo e prestígio social. Apenas em 3,9% dos lares no
Brasil as famílias têm renda média e domiciliar bruta igual ou superior a 20
salários-mínimos (R$ 28.240,00/mês). Nessas famílias, privilegiadas, 25% da
renda provêm do trabalho e a maior parte (75%) advêm de rendas como aluguéis,
dividendos e lucros de empresas.
A classe B (também chamada de média-alta) desfruta de
posição confortável, com acesso a bens e serviços, porém sem luxos. É composta
por cerca de 15% dos lares brasileiros, com renda domiciliar bruta entre 6
salários-mínimos (R$ 8.472,00/mês) e menor que 20 salários-mínimos (R$
28.240,00/mês). Essas famílias têm 86,1% de suas rendas provenientes do
trabalho e apenas 13,9% de outras fontes.
A classe C, mais conhecida como classe média, possui
padrão de vida razoável, entretanto com severas restrições de consumo de bens e
serviços. Nela estão inseridos 31,2% dos lares brasileiros, com renda
domiciliar bruta superior a 2,5 e menor que 6 salários-mínimos (maior que R$
3.530,00 e menor que R$ 8.472,00/mês). São famílias que têm mais de 90% da
renda provenientes do trabalho.
Por fim, as classes D e E, compostas por famílias que
enfrentam dificuldades - inclusive básicas- , e vivem, em grande parte, com
renda proveniente de atividades informais. São cidadãos de escolaridade muito
baixa, em sua maioria.
Infelizmente, em pleno século XXI o Brasil ainda possui
metade (49,9%) dos lares de pessoas vivendo com renda domiciliar de pouco mais
de dois salários-mínimos e, em média, com R$ 580,00 a R$ 600,00/mês por pessoa,
totalmente dependentes de programas sociais como o Bolsa Família e o Benefício
de Prestação Continuada (BPC). (Fonte: Gazeta do Povo de 09/08/ 2024).
É triste constatar que, em 2012, o país tinha 48,7% de lares
com brasileiros das classes D e E, quase nenhuma diferença da situação atual.
Ou seja, o cenário não melhorou em nada; até piorou em 1,2 ponto percentual.
Mais grave ainda é a previsão dos estudiosos de que em 2030 o país pode voltar
à posição de 2012, significando, caso se concretize, enorme retrocesso no
processo distributivo de renda porque o país voltará a ter, em 18 anos, o mesmo
número de brasileiros nas classes D e E que havia duas décadas antes. É o
retrato do fracasso das politicas publicas.
Hoje, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), 90% da população brasileira têm renda bruta inferior a R$
3.500,00/mês. Nessa estratificação social, a maioria (70% dos 90% da população
brasileira mencionados anteriormente) possui renda bruta inferior a R$
2.800,00/mês. Somam 63% da população.
Os 10% mais ricos de brasileiros têm renda bruta entre R$
7.600,00 e R$ 7.900,00/mês, enquanto 5% dos mais ricos vivem com renda bruta
entre R$ 11.500,00 e R$ 11.800,00/mês. Só 1% dos mais ricos têm renda bruta
superior a R$ 30.000,00/mês. Na base da pirâmide social, os 40% brasileiros
mais pobres vivem com renda entre R$ 530,00 e R$ 560,00/mês. Não é de se
estranhar, portanto, que 64 milhões vivem no Brasil com algum grau de
insegurança alimentar.
Dada essa realidade, não é possível creditar alta
sensibilidade social a nenhum dos governantes que ocuparam a presidência da
República nos últimos 25 anos, muito menos chamar qualquer um deles de
libertador dos pobres. Na verdade, todos são responsáveis por retirar renda da
população, especialmente das classes C, D e E. Fizeram isso por meio da elevada
tributação sobre o consumo de gêneros e serviços, deixando de aplicar a
correção das tabelas do Imposto de Renda para reposição da
inflação, e ao não oferecerem educação de qualidade.
Suas ações lembram a lição do consultor de investimentos,
escritor e ex-candidato a presidente dos Estados Unidos Harry Browne
(1933-2006): “O governo é bom em uma coisa, ele sabe como quebrar as suas
pernas para depois lhe dar uma muleta e dizer: se não fosse pelo governo
você não seria capaz de andar”. Essa forma de governar também dá razão ao
economista, filósofo e escritor canadense/norte-americano John Kenneth
Galbraith (1908-2006), para quem “nada mais eficaz para limitar a liberdade,
incluindo a liberdade de expressão, como a total falta de dinheiro”.
Razões de ordem moral e problemas não assumidos de racismo e
etnocentrismo contribuem para o fracasso na educação, na distribuição de renda,
e nas políticas públicas sociais. O resultado é uma realidade de fome,
desnutrição, mortalidade infantil, aumento da violência urbana, precariedade no
transporte público, deficiência no saneamento básico e o processo de
favelização em muitas das grandes cidades brasileiras, inclusive as capitais
dos estados de maior grau de desenvolvimento do país.
Nada disso é o que os governantes dos últimos 25 anos
prometeram à população. E está longe do que merecem os brasileiros, que não
podem ser condenados a viver na pobreza e na desigualdade.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas
de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi
vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à
deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br